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Narrativas privadas, pinturas de Fábio Baroli



por Jozias Benedicto


Estava na internet, navegando sem compromisso, 
vendo sites ligados a artes (bom, claro que no meio tempo uns sites pornôs, também), 
quando aquelas imagens me pegaram pelo pé, me derrubaram, me nocautearam; 
eu queria ver mais; pesquisei pelo nome do artista, descobri um blog e um flickr,
 mas sem endereço de email para contato. Pinturas. Um artista de Brasília. Fábio Baroli.

As primeiras imagens que vi, no site do Olheiro da Arte, 
uma boa vitrine para jovens artistas, foram as que me nocautearam. 
O breve currículo diz apenas: "É bacharelando do décimo semestre 
em Artes Plásticas pelo Instituto de Artes (IdA) da Universidade de Brasília (UnB)."

Depois, no blog e no flickr, pude ver mais imagens. 
Pinturas, retratos, grandes dimensões, de um realismo até meio retrô, 
virtuosísticas, mas nas quais se sente forte conceituação como base. 
A questão do conceito sustentando a pintura fica mais clara ao ver que
 o artista é o mentor de algumas performances que vi pelos 
jornais aqui em Brasília: intervenção na Catedral com uma luz cor de rosa; 
Telúrico, polêmica escultura para espaço público no campus da UnB.

Como tenho sorte, o artista participa de um Salão juntamente
 com uma artista amiga minha, faz-se o contato, primeiro por email e depois,
 ao vivo, na abertura de uma coletiva em Brasilia; uma exposição heterogênea, 
mas onde os trabalhos dele se destacam. Enfim vejo "ao vivo" as pinturas, 
continuo gostando delas, e gosto mais ainda do artista, um jovem motivado e antenado,
que escolheu como meio de expressão a velha e já tantas vezes anunciada como morta, 
a pintura; um artista que está participando de muitas exposições 
e salões pelo Brasil afora, com premiações, e que é uma aposta para o futuro.

A série Narrativas Privadas se desdobra em pequenos trípticos. 
Uma pintura de nus que elimina a sensualidade da carne; 
a carne e o azulejo tem o mesmo tratamento pictórico; 
e o azulejo é na verdade mais sensual que a carne; 
como se o artista "dissecasse" os corpos, ao invés de apenas "expô-los". 
Mas não é um tratamento frio, distanciado; pelo contrário, a pintura é espessa, 
exuberante, pinceladas, espátulas, óleo; a cor é muito variada, 
a pele tem tonalidades de carne, de ocre, de marfim, de verde,
 marrons, azuis; mas a voluptuosidade é da tinta, da pintura, 
não das pessoas; estas estão tranquilas tomando seus banhos, 
os sexos e as celulites, as dobras de gorduras, as varizes, os cabelos do corpo,
 à mostra; como se vistas, em movimento (dado pelo enquadramento dos trípticos), 
observadas por alguém escondido, vistas através de um basculante, 
o voyeur-espectador; e o erotismo está todo nele, no pintor, 
no espectador, que ao ver a cena erotiza não só a carne mas também os azulejos, 
as gotas d'água, as torneiras de metal gasto, os aparelhos de gilete e os box de plástico.

Erotização feita não pelo tema (nus banais), e sim através da pintura;
 a marca do pincel do artista é a marca que o olhar do voyeur-espectador busca,
 e extrai de uma cena de quotidiano, de homens e mulheres de meia idade em 
uma tarefa corriqueira, um banho talvez meio corrido para não perder 
o horário do trabalho, 
ou cansado depois de um dia de luta; 
não o banho de quem se prepara para o amor ou de quem, 
saciado, se limpa dos fluidos e secreções de uma cópula; 
não; apenas isso: um prosaico banho.

Não são jovens, os corpos não são os malhados que a midia vende como os desejáveis, 
eles talvez não conheçam mais a intensidade do desejo já há tanto tempo perdido
 na rotina dos dias. Não são Madonas, não são Jesus. 
Mas o artista os retira de seus banheiros anônimos, 
e nos faz desejá-los, e nos faz, a nós, iguais a eles, desejados;
 como objetos de um desejo perverso polimórfico, 
como objetos de uma sensualidade pagã, como objetos de desejo para o voyer-artista.

Engraçado, Narrativas Privadas não é um trabalho erótico, carnal;
 ao optar pelo erotismo do voyeur, pelo fetichismo, eles se tornam menos crus,
 podem participar de exposições, não tem a pulsação de outros trabalhos do Fábio,
que são explícitos e tem o vigor de um erotismo rebelde, uma série erótica
da qual mesmo o artista fala com certo cuidado.
 São as Apropriações Textuais: uma versão sangrenta, menstruada,
 da Origem do Mundo, de Courbet;
um enorme empalado com o rosto do artista e genitais bem desenhados,
que tem de um Cristo clássico, de Goya (Esto es Peor) e de Vlad Tepes; Decapto,
 onde (como nos Caravaggio) a cabeça decaptada é um auto-retrato -
mas o jovem carrasco está nu e seu vigor erótico é explícito.

Outros trabalhos do Fábio também tem esta forte carga de erotismo,
que aparece até mesmo nos trabalhos de cunho conceitual.
Telúrico é um obelisco que é uma árvore fálica em pleno campus da UnB;
a rejeição ao trabalho acabou por derrubá-lo,
o que irônicamente não desfez a semelhança, apenas destruíu a ereção.

Da mesma forma, ao pintar com luz a Catedral de Brasilia o concreto se torna carne,
 vibrante em cor de rosa, uma gigantesca vulva multifacetada.
Talvez estes trabalhos mais explícitos sejam muito chocantes
(pois Brasília, embora Corte, é uma Província) e estejam guardados, protegidos,
para serem mostrados aos poucos, como véus que se abrem.
Mas ao "domesticar" o erotismo através do fetiche,
do voyeur, das Narrativas Privadas,
Fábio consegue, sem prejuízo da qualidade, "se infiltrar" e "nocautear"
o espectador desavisado, como eu naquela noite em que navegava na internet.


* * *

Janela indiscreta
programa Olheiro da arte

Apertadas janelas, fechaduras ou frestas incitam o espectador a participar 
secretamente da intimidade de personagens tão ordinários quanto anônimos. 
Inocentemente, eles contracenam com chuveiros, pias e boxes em cenas cotidianas
 enquadradas em pequenos banheiros azulejados.
 Qualquer clandestinidade está apagada pela ficção das tintas óleo do artista Fábio Baroli,
 eleito pelo público como um dos três melhores artistas da segunda etapa do concurso 
Olheiro da Arte. Ele é autor da série Narrativas Privadas,
 disponível na Galeria Democrática do projeto.

A inspiração para as telas do estudante de Artes Plásticas da Universidade de Brasília 
veio da internet. Diferentemente de outros trabalhos em que o artista se 
utiliza de referências fotográficas compostas e clicadas pelo próprio,
 em Narrativas Privadas o artista/voyeur busca imagens já disponíveis na rede. 
Mais especificamente, em sites de pornografia. 
Assim, ao encontrar um motivo, ele imprime e se apropria da foto. 
O critério de seleção, diz ele, é sempre delicado: 
“Escolho imagens de pessoas em banheiros, que é um canto exclusivo, o menor da casa”.

E por falar em tamanho, outra característica que distingue 
Narrativas Privadas das demais pinturas de Baroli é a dimensão. 
O artista, que costuma produzir grandes telas, 
dessa vez explorou o detalhe e concebeu a série trípticos em 26,6 x 62,8 cm – 
é preciso chegar perto para ver, ou melhor, espiar.
 “O pequeno formato tem essa coisa de se aproximar, do voyerismo”, conta.


* * *

“Imagens e Pensamentos” - Arte Pará 2009
por John Fletcher

Continuando minhas reflexões sobre o Arte Pará 2009, 
desta vez vou concentrar meus comentários na mostra do Museu de Arte da UFPA,
 a qual ganhou o título “Imagens e Pensamentos”, 
com a idéia de concentrar o máximo das experimentações do salão no campo da 
video-arte e de obras que estivessem nesta co-relação.

Alguns ótimos destaques para certos artistas que conseguem transitar por 
este lugar de provisoriedade da imagem, como (...) as 09 pequenas telas 
em óleo do artista Fábio Baroli, do Distrito Federal, intituladas 
“Narrativas Privadas – Composição 02″ 
(este apresentou um ângulo de fotografia cinematográfico nas obras,
 com pinceladas secas e retas, transmitindo uma crueza íntima nas composições); (...)


* * *

O phalo do Baroli
por Ézio Flávio Bazzo

A repulsão e o escândalo que a escultura de um phalo esculpida 
e erigida nos jardins da Unb, pelo aluno Fabio Baroli vem causando,
 é uma nova oportunidade para se ver o quanto nossa sociedade 
ainda é tacanha e travada afetivamente com relação à sexualidade
 e como a simples visão dos genitais ainda causa estremecimentos. 
Apesar de sabermos que durante milênios nossos ancestrais já 
veneravam tranquilamente tanto o pênis ereto como a vulva, 
como compreender que uma escultura como essa ainda cause 
espanto e repugnância inclusive entre acadêmicos? 
Como poderá uma cultura que ainda não consegue relacionar-se 
amistosamente com seus próprios genitais relacionar-se de 
maneira razoável com o resto do mundo? 
Não restam dúvidas de que Baroli, com seu singelo trabalho 
fez reavivar em nossa consciência a lembrança de que 
– como dizia Menchen – mesmo quando a aparência 
e o conceito do homem, no circulo familiar comum, 
segue sendo a de um magnífico herói e a de um semideus, 
sua substância continua sendo concebida como a de um idiota 
erotizado e como a de um pobre coitado.
Fonte: http://inforum.insite.com.br/forum-do-sarau/5452207.html


Em de corrência à Origem (detalhe)
Óleo sobre tela / 95 x 140 cm / 2008